Uma frase bem resume o que a tecnologia pode significar às pessoas com deficiência: “para as pessoas sem deficiência, a tecnologia torna as coisas mais fáceis. Para as pessoas com deficiência a tecnologia torna as coisas possíveis”.[1]
Como se pode perceber, o acesso à tecnologia representa uma oportunidade de inclusão às pessoas com deficiência, reduzindo sua limitação funcional no espaço e aumentando sua capacidade adaptativa em relação ao meio em que inserida.
Segundo a Lei Brasileira de Inclusão, a tecnologia assistiva, também denominada “ajuda técnica”, “tecnologia de apoio” ou “tecnologia adaptativa”, envolve os produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social (art. 3º, inc. III).
Trata-se, portanto, de setor da tecnologia destinado a potencializar as funcionalidades das pessoas com deficiência, mediante a busca de soluções envolvendo acessibilidade.
Nessa linha, a tecnologia assistiva visa a concretização de quatro objetivos bem delineados: promover autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social às pessoas com deficiência. Todos estes escopos devem iluminar o desenvolvimento, o acesso e a aplicação dos recursos assistivos, fomentando sua instrumentalização prática no cotidiano brasileiro.
No plano internacional, o conceito de tecnologia assistiva é oferecido pela ISO 9.999[2] e pela OMS[3]. Há, ainda, a previsão inserida no artigo 20 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que assegura o dever estatal de realizar e promover a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias assistivas, tornando-as disponíveis a um custo acessível.
Em relação ao seu conteúdo, a tecnologia assistiva abrange não apenas o oferecimento de produtos, equipamentos, dispositivos e recursos às pessoas com deficiência, mas também a disponibilização de metodologias, estratégias, práticas e serviços relacionados à tecnologia oferecida.
Esta segunda dimensão da tecnologia assistiva é de vital importância para sua efetividade normativa, afinal de nada adianta fornecer um produto de alta tecnologia a uma pessoa com deficiência sem o oferecimento de informação adequada, treinamento habilitado, assistência técnica e oportunidade de avaliação funcional dos impactos que aquela tecnologia trouxe em sua vida cotidiana.
Sem o empoderamento do usuário e a participação ativa nas ações, decisões e processos de avaliação, o oferecimento de tecnologias pode se revelar ineficaz para a promoção da inclusão das pessoas com deficiência.
Como lembra Ana Oliveira, “é crescente a consciência da necessidade de uma participação ativa do usuário final em todas as etapas e em todas as decisões relativas à implementação de tecnologia assistiva. Sem a participação e o diálogo com os atores envolvidos nesse processo, aumenta em muito o risco de que uma determinada solução de TA seja abandonada com pouco tempo de uso, conforme tem sido sinalizado em diferentes estudos de Laranjeiras e Almeida, Cortelazzo e Bersh”.[4]
Vários são os exemplos de tecnologia assistiva que podem ser mencionados. Estes podem abrigar desde artefatos simples, como uma colher ou um lápis adaptado até aparelhos de ventilação mecânica, cadeira de rodas, programas de computador que visam a comunicação etc.[5]
Toma-se como um ótimo exemplo de tecnologia assistiva os produtos e serviços destinados a superar as barreiras de comunicação e informação que alcançam às pessoas com deficiência sensorial.
Nesta esteira, os instrumentos de comunicação indicados no inc. V, art. 3º, da LBI, tais como a Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), o Braille, o sistema de sinalização ou de comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos multimídia, os sistemas auditivos, os meios de voz digitalizados, formam hipóteses concretas de ajuda técnica voltadas a ampliar as habilidades e reduzir as limitações funcionais das pessoas com deficiência.
Dialogando com os demais textos dessa série sobre a tutela contemporânea da pessoa com deficiência, é possível concluir ainda que a tecnologia assistiva está para a pessoa com deficiência assim como o desenho universal está para o meio ambiente que a cerca.
Enquanto a primeira trabalha para reduzir as limitações funcionais e aumentar a capacidade de interação das pessoas com o meio ambiente, o segundo procura incorporar arquiteturas que superem as barreiras sociais existentes, transformando o contexto socioecológico em um meio ambiente acessível a todos.
São direitos, portanto, que dialogam e se complementam, objetivando a finalidade última dos instrumentos protetivos relacionados à pessoa com deficiência: a criação de uma sociedade inclusiva.
O artigo 75 da Lei Brasileira de Inclusão, por sua vez, reforça a necessidade do planejamento envolvendo o desenvolvimento, a aplicação e o acesso às tecnologias assistivas, exigindo a elaboração de um plano específico por parte do poder público, renovável a cada quatro anos.
Referido planejamento tem por escopo: i) facilitar o acesso a crédito especializado para aquisição de tecnologia assistiva; ii) agilizar, simplificar e priorizar procedimentos de importação de tecnologia assistiva; iii) criar mecanismos de fomento à pesquisa e à produção nacional de tecnologia assistiva; iv) eliminar ou reduzir a tributação da cadeia produtiva e de importação de tecnologia assistiva; v) facilitar e agilizar o processo de inclusão de novos recursos de tecnologia assistiva no rol de produtos distribuídos no âmbito do SUS e por outros órgãos governamentais.
Se levado a sério, este instrumento deve servir à concretização do direito à tecnologia assistiva, incentivando a aplicação prática da Lei Brasileira de Inclusão em nosso país.
Daí porque cumpre as funções essenciais à justiça (Defensoria Pública e Ministério Público), assim como à sociedade civil, fiscalizar a elaboração desse plano quadrienal pelo Poder Público, de modo a tornar a tecnologia assistiva uma realidade possível.
No próximo texto desta coluna, abordarei outro tema de fundamental relevância para a proteção jurídica da pessoa com deficiência, o qual, infelizmente, ainda atrai pouca aplicação prática no contexto brasileiro: a tomada de decisão apoiada.
Até breve!
[1] “For Americans without disabilities, technology makes things easier. For Americans with disabilities, technology makes things possible”. Cf. RADABAUGH, Mary Pat. Study on the Financing of Assistive Techonology Devices and Services for Individuals with Disabilities: a report to the Presidente and the Congress of the United States, Nacional Councilon Disability, 1993, p. 35.
[2] “Qualquer produto, instrumento, equipamento ou tecnologia adaptado ou especialmente projetado para melhorar a funcionalidade de uma pessoa incapacitada” (INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION, 2009).
[3] “Qualquer produto, instrumento, equipamento ou sistema técnico utilizado por uma pessoa incapacitada, especialmente produzido ou geralmente disponível, que evite, compense, monitore, alivie ou neutralize a incapacidade” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAUDE, 2009)
[4] “Esses estudos enfatizam a necessidade do ‘empoderamento’ da PcD no processo de aquisição e implementação de soluções de TA, principalmente, por meio do treino do usuário, que poderá se apropriar não só do produto em si, mas instrumentaliza o uso, atuando assim como sujeito ativo nas decisões e ações”. OLIVEIRA, Ana Irene Alves de. Da tecnologia assistiva. In: Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. LEITE, op. cit., p. 271.
[5] VERUSSA, Edna de Oliveira. Tecnologia assistiva para o ensino de alunos com deficiência: um estudo com professores do ensino fundamental. 2009. 80 f. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília, 2009. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/90844>.